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Vítor Ramil - vénia, vénia - vem ao São Luiz

por João Miguel Tavares, em 02.10.14

 

Durante os muitos anos que escrevi sobre música brasileira, o nome de Vítor Ramil foi uma presença sussurrada. Aquilo a que se costuma chamar "um segredo bem guardado", expressão com que habitualmente se classifica um artista que 127 pessoas consideram um génio e 127 milhões ignoram tristemente.

 

Eu conhecia os discos "Ramilonga" e "Tambong", comprados numa viagem ao Rio de Janeiro (infelizmente, os seus discos nem sequer se arranjam por cá), e os ecos da sua "estética do frio", essa reflexão muito particular sobre a identidade cultural do Rio Grande do Sul, de onde Ramil é originário. No entanto, culpa das dispersões e do excesso de audições, nunca dediquei a essas obras a atenção que elas mereciam.

 

Foi preciso esperar por "Délibáb", extraordinário disco de milongas onde os textos de Jorge Luis Borges se misturam com os do poeta gaúcho João da Cunha Vargas, para finalmente me cair a ficha - quem raio é este gajo, pensei eu para com os meus botões? 

 

Foi um clique. E um clique que não desclicou. O gajo era Vítor Ramil, claro, e o DVD que acompanhava "Délibáb" demonstrava o espantoso rigor, a espantosa originalidade e a espantosa criatividade do músico gaúcho, que nos levava directamente para as pampas à força de duas guitarras e uma magnífica voz. Mas não fazia só isso: mostrava-nos uma nova maneira de falar português, via Cunha Vargas. Grande música e grande literatura? Não é todos os dias.

 

Vi tocar Vítor Ramil na Culturgest, há quatro ou cinco anos, caiu-me o queixo durante hora e meia (não foi só a música: as conversas entre canções valeram tanto como as próprias canções) e prometi a mim próprio que de cada vez que Ramil voltasse a Portugal eu estaria na plateia para o escutar. E é promessa para cumprir.

 

Na próxima terça-feira, 7 de Outubro, pelas 21 horas, Vítor Ramil vai estar no São Luiz a apresentar o seu próximo trabalho, "No Mês que Vem". É mais um disco extraordinário, um álbum duplo que olha e relê toda a sua carreira. Não é um "best of" - é uma autobiografia musical interpretada com suprema elegância. Como convidados, promete-se Gisela João, Mário Laginha e o guitarrista argentino Carlos Moscardini.

 

Se havia 127 pessoas que consideravam Vítor Ramil um génio, depois de eu o escutar com atenção passámos a ser 128. Ora, não há qualquer razão para esse número não continuar a aumentar.

 

Para abrir o apetite, aqui ficam dois dos seus temas: "Estrela, Estrela", talvez o mais conhecido, e ainda aquele que dá nome ao seu último disco, "No Mês que Vem". E lembrem-se: ao vivo ainda é melhor.

 

 

 

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Podemos gostar mais de Jessie J do que de Justin Timberlake?

por João Miguel Tavares, em 02.06.14

Foi curioso ver Jessie J e Justin Timberlake em sequência na última noite do Rock in Rio, desde logo porque a primeira fez tão grandes e tão numerosas declarações de amor ao segundo durante a sua actuação (disse que ele foi fundamental na sua carreira quando afirmou que ela era "uma das melhores cantoras do mundo" e informou no final que ia só trocar de roupa para se juntar à plateia) que, se eu fosse mulher do Justino Lago dos Madeiros, teria ficado com ciúmes. Até porque Jessie J tem dos melhores pares de pernas da pop internacional, e fartou-se de as exibir, como se pode verificar:

 

© Agência Zero 

 

Mas o mais curioso não foi isso - foi a atitude de cada um. Jessie J tem dois discos muito bem sucedidos e um público fiel (houve um tipo com barba a chorar desalmadamente na plateia só porque ela cantou a olhar para ele), mas ainda anda a fazer pela vida. Não é uma estrela de plástico: apesar de ainda só ter 26 anos, começou a carreira como compositora de gente com Miley Cyrus, até se decidir subir a um palco em nome próprio.

 

E como não é ainda grande-grande mas apenas semi-grande, põe tudo o que tem nos seus concertos, apesar dos seus problemas cardíacos. E o seu "tudo" vai muito para além do groove da irresistível "Price Tag", com o "Money/ Money/ Money" cantado em coro por perto de 80 mil pessoas na Bela Vista (ela repetiu as palavras de Lorde ao dizer que aquele era provavelmente o mais espectáculo da sua carreira). Não, ela não tem pinta de one hit wonder, e a maneira como se fez à vida no Rock in Rio obriga a que os nossos olhos não a larguem. E não é só por causa das pernas.

 

Acerca das pernas de Justino Lago dos Madeiros não há muito a dizer, porque ele nunca tirou as calças - afinal, o palco da Bela Vista não é um filme de Hollywood. Mas a grande diferença dele para Jessie J não é só o tamanho da carreira nem o número de êxitos: é que ele dá por adquirido aquilo que ela acha que ainda tem por conquistar. Ou seja, Justin Timberlake é bom e sabe que é bom, e essa consciencialização acarreta o risco do espectáculo programado a régua e esquadro, com as falas certas nos sítios certos, os impecáveis passos de dança, a roupinha à maneira, os "JT" espalhados por instrumentos e cenários, tudo tão certo como um relógio de cuco feito na Suíça.

 

© Agência Zero 

 

Foi um belo espetáculo, claro, mas dentro do género 86-60-86. Para quem prefere o registo girl next door (olhem para mim a levantar o braço) soube um bocadinho a pouco. Não por ter sido mediano, porque não foi, não por ele ter falhado algum dos seus clássicos, porque não falhou, não porque os Tennesse Kids não sejam uma banda de suporte do caraças, porque são, mas por ter sido tudo tão bonitinho e previsível.

 

Justin Timberlake é um bom dançarino sem ser um extraordinário dançarino, é um bom cantor sem ser um extraordinário cantor, é um bom instrumentista sem ser um extraordinário instrumentista, é um bom compositor sem ser um extraordinário compositor, é um bom actor sem ser um extraordinário actor, mas é extraordinário pela versatilidade que demonstra, e nisso é um caso raro de renascentismo pós-moderno, já que a sua influência se estende da música ao cinema, da tequilha à roupa, da restauração ao golfe.

 

Em resumo, o homem é muitíssimo digno de admiração e pôs de pé um espectáculo impecável, que fechou o Rock in Rio com chave de ouro. Mas como eu gosto muito de ver as marcas das unhas no concertos de quem ainda faz por trepar na vida, Jessie J tocou-me mais no coração do que o sobredotado americano por quem ela, e 99,89% das mulheres presentes no recinto, se derretem perdidamente (só a minha é que não). Claro está que isto pode ser só ciúmes. E pernas. Não esquecer as pernas.

 

 © Agência Zero

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Solução 1: Apoiar a constituição de mega-bandas como os Arcade Fire, para atacar a tragédia do desemprego. Ora cá está a solução oriunda do Quebeque, que foi apresentado no Rock in Rio na noite de ontem. Bastariam duas ou três bandas como os Arcade Fire para o desemprego jovem cair a pique em Portugal. É possível que a própria juventude do Canadá estivesse perdida na procrastinação quando Win Butler resolveu fundar os Arcade Fire em 2001. Graças à generosidade desse gesto, foram contratados cerca de 843 músicos para subirem ao palco, soprando, teclando, riffando ou martelando em tudo o que possa produzir som.

 

A esses 843 músicos juntam-se outros tantos nos bastidores, porque só o põe-guitarra-tira-guitarra-troca-guitarra dá uma trabalheira do caraças. Além disso, há os gajos que fazem de cabeçudos émulos da banda (para quem desconhece, é assistir aos telediscos da banda realizados por Anton Corbijn ou Roman Coppola), mais outros vestidos de esqueletos ou de vidrinhos brilhantes, isto já para não falar nos trabalhos indirectos criados, como seja os fabricantes de bombos e tambores, que têm de estar sempre a substituir material - isto porque o desvairado William Butler (maninho de Win) lança instrumentos de percussão a quatro metros de altura, que caem depois com grande estrondo no chão. Faz parte do espectáculo.

 

© Agência Zero 

 

A consequência desta avalanche de gente e de material sonoro (dá ideia de que quem toca menos do que cinco instrumentos não tem lugar na banda) é que os Arcade Fire são o cumprir do sonho húmido do velho Phil Spector - isto é a "wall of sound" por excelência. E então quando os 843 gajos se apanham ao vivo com 40 mil pessoas pela frente, o resultado é um dos melhores espectáculos do Rock in Rio, que só não é mesmo "o" melhor espectáculo porque é preciso respeitar os bisavôs pedrados (também conhecidos como Rolling Stones) e porque a banda de Montreal arrancou com tal pujança que depois não foi capaz de manter o mesmo ritmo até final.

 

Quando o concerto ia na meia hora, eu estava a achar que aquilo ia entrar directamente para o meu top 10 existencial - mas mesmo que o gás se tenha perdido um pouco na última metade, os Arcade Fire são das coisas mais estimulantes que se podem ver hoje em dia, uma cornucópia sonora digna de ourives minhoto. Não é fácil pôr tanta gente a fazer tantas coisas boas, como camadas sonoras em cima de camadas sonoras, sem que tal nunca resulte em empastelanço. Eles são imaginativos. Eles são virtuosos. Eles combatem o desemprego. Um luxo.

 

Solução 2: Ser poupadinho como Lorde. A miúda neo-zelandesa de 17 anos acerca da qual toda a gente pergunta "17 anos?, a sério?", fez-se acompanhar no Rock in Rio de um senhor nas teclas e de outro na bateria, uma tal poupança de meios que a jovem que venceu o Grammy de Melhor Canção de 2013 graças a "Royals" deveria ser condecorada pelo FMI. Isto, sim, é austeridade musical que não impede o crescimento.

 

Claro que também há uma dose enorme de lata. Porquê lata? Porque apresentar-se num concerto ao vivo desta dimensão praticamente sem banda de suporte exige uma coragem desmedida e uma fé infinita nas suas qualidades musicias. Poderia ser também apenas inconsciência, não fosse a miúda ter pinta de ter muito juizinho - não, Lorde não vai ser daqueles Britney ou daquelas Miley que quando chegam aos 20 anos são colonizadas pelas hormonas e começam a deitar a roupa fora. Há ali muito miolo.

 

© Agência Zero

 

E cabelo, muito cabelo, que ela foi chicoteando ao longo de pouco mais de uma hora, à medida que deitava cá para fora as suas canções atmosféricas, suavemente electrónicas, uma soft pop lânguida mas muito atraente. Além da pergunta "só 17?" talvez valha a pena juntar a pergunta "neozelandesa?", porque isto nada tem a ver com a imagem da Nova Zelândia das ovelhas e das paisagens de O Senhor dos Anéis.

 

A menina é uma cidadã do mundo, que agora tivemos a sorte de ver em Portugal, e que tem tudo para vir a ter uma mui séria carreira, que se estenda muito para lá dos royalties de "Royals". E o prazer, ao que parece, foi mútuo: Lorde (nome verdadeiro: Ella Marija Lani Yelich-O'Connor) admitiu que o concerto de ontem terá sido o maior da sua vida, e no final estava realmente emocionada com o acolhimento, garantindo que nunca esquecerá Lisboa. Provavelmente ela diz isso em todo o lado, mas aqui pareceu verdadeira. A austeridade, afinal, compensa. 

 

Não-solução 3. Uma iniciativa bem-intencionada não é sinónimo de uma iniciativa eficaz. O tributo a António Variações era das coisas que eu aguardava com mais expectativa e que mais queria ver no Rock in Rio. Eu sou dos que adora Variações e dos que acha que os seus dois únicos álbuns permanecem com marcos inultrapassados da pop portuguesa. Não é preciso estar com grandes argumentos: basta ver como as suas canções continuam vivas e frescas mais de 30 anos após terem sido compostas, ou como o projecto Humanos transformou, há uma década, um conjunto de canções inéditas suas em mais um disco incontornável da música portuguesa.

 

 © Agência Zero

 

A ideia de homenagear Variações no ano em que se assinalam os 70 anos do seu nascimento e os 30 da sua morte fazia todo o sentido, e nada há a apontar aos três primeiros convidados para o tributo: Gisela João (com um vestido dourado resplandecente que àquela hora da tarde a fazia parecer a Senhor Mais Brilhante do que o Sol), os Linda Martini e os Deolinda são tudo gente de estilos diferentes, mas também tudo gente consistente, que sabe o que faz. Mesmo sem deslumbrar deram conta do recado, com destaque para uma excelente versão de "Toma o Comprimido" pelos Linda Martini, e para a "Canção do Engate" dos "Deolinda Martini" (palavras de Ana Bacalhau, quando as duas bandas se reuniram em palco).

 

Quem não deu, definitivamente, conta do recado foi Rui Pregal da Cunha. Talvez por já não ter a rotação dos concertos de antigamente, talvez por estar demasiado entusiasmado (ele foi amigo pessoal de Variações), há sérias possibilidades de não ter acertado em mais do que quatro ou cinco notas durante os temas que cantou, de "Dar e Receber" a "Erva Daninha". As calças à repórter Tintin era impecáveis, o discurso sobre Variações foi bonito, mas o desafinanço, ai meu Deus, o desafinanço.

 

© Agência Zero

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Depois de um gajo levar com o dilúvio sonoro a que Deus deu o nome de Arcade Fire (texto sobre isso a seguir ao almoço), já não se encontra mentalmente preparado para botar faladura sobre os Queens of the Stone Age, e muito menos sobre os Linkin Park.

 

Não queria, ainda assim, deixar de lavrar aqui o meu protesto em relação à atitude em termos de guarda-roupa de Josh Homme, líder dos QOTSA, que tantas alegrias me deram por alturas do maravilhoso Songs for the Deaf (2002).

 

Ó Josh, mas o que é isto?

 

© Agência Zero

 

Que casaquinho farsolas, de quarentão menino-da-mamã, é aquele? Brincamos? É Primavera. Estamos em Lisboa. Vocês são uma banda rock'n'roll. E de repente, Josh diz antes de entrar em palco: "Ai, ai, ai, vou vestir o anorak porque esta Bela Vista é muito ventosa." Que caraças.

 

Não, Josh, não. Não admira que o concerto tenha sido apenas assim-assim. O rock faz-se de mangas cavas ou, na pior das hipóteses, de t-shirt, ou, na pior da pior das hipóteses, com roupa desenhadas por estilitas famosos, onde toda a banda faz pendant (o que é pouco rock'n'roll, convenhamos, mas enfim). Agora, com um anorak Feira de Carcavelos? Não, pá, isso não. Um gajo fica logo de pé atrás. 

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1. Os genes dos Rolling Stones deveriam ser preservados para a eternidade, a bem da ciência. Mick Jagger não só continua a parecer, aos quase 71 anos de idade, um adolescente escanzelado, como continua a pular e a cantar como se fosse um adolescente escanzelado. O homem já é bisavô, por amor de Deus - há dez dias a primeira filha da sua segunda filha deu à luz uma menina (eu sei que isto pode parecer confuso, mas Jagger tem sete filhos de quatro mulheres diferentes). Uma pessoa olha para ele e pensa: "Chiça, os bisavôs dos meus putos estão todos mortos e as bisavós não se mexem assim. Eu quero aqueles genes!" Devo dizer que o mais parecido que vi com isto foi o grande Compay Segundo, o famoso músico cubano do Buena Vista Social Club que morreu aos 95 anos de idade, ainda a cantar e a tocar, apesar de acender os charutos da avó desde os sete anos de idade. Durante duas horas, Jagger não parou de cantar, de correr e de falar português manhoso. Foi grande. A terceira idade já não é o que era - sobretudo porque os Rolling Stones não são propriamente um exemplo de vida saudável e regrada.

 

 

2. O Bruce Springsteen é o maior. Já se sabia que ele estava por Lisboa, em visita à sua filha Jessica, que está a participar numa prova hípica. Um cabeleireiro da Rua Castilho havia inclusivamente colocado no Facebook uma foto sua, de cabelinho cortado. O que não se sabia é que o Boss se juntaria a Sir Michael Philip (Mick, para os amigos) no palco da Bela Vista, onde já havia feito história há dois anos. Tocaram e cantaram juntos uma belíssima versão de "Tumbling Dice", e embora desta vez não tenha existido Ana Moura como convidada especial, dificilmente se pode argumentar que tenhamos ficado a perder. Ah, já agora: o cabelinho de Bruce estava excelentemente aparado.

 

3. Eles sabem escolher os seus convidados portugueses. Já disse que não houve Ana Moura, mas em compensação houve o coro português Ricercare, que eu não sei como é que foi parar a um palco com os Rolling Stones, mas adoraria saber (espero que alguém já esteja a tratar dessa reportagem). Deve ter sido uma das grandes experiências da vida dos seus membros, e a verdade é que eles abrilhantaram em grande estilo uma versão com introdução coral de "You Can't Always Get What You Want". Os Stones ganham uma pipa de dinheiro por concerto, como se sabe - mas eles trabalham, e trabalham a sério.

 

4. Afinal, Charlie Watts é que é o maior. O baterista dos Stones vai fazer, na próxima segunda-feira, 73 anos. Além de, como é hábito nos bateristas, ser o gajo porreiro do grupo e de nos anos 60 e 70 ter evitado orgias com groupies (um feito digno do Guiness), continua a martelar naqueles tambores com uma classe e uma energia espantosas. Não haverá lesões musculares? Distensões? Roturas? Tecidos que cedam debaixo de tanta martelada? Pelos vistos, não. Durante o concerto havia uma câmara em contrapicado colocada na bateria, que estava sempre a mostrar a sua envelhecidíssima cara. Watts parece uma múmia saída directamente do Museu Britânico: quando olhamos para ele, parece que vai abaixo com um sopro. Só que está possuído: quando começa o bum-bum-bum, impõe respeito a qualquer um. Não sei o que é que Cristiano Ronaldo está à espera para começar a receber tratamentos do fisioterapeuta de Charlie Watts. Será provavelmente a única forma de estar em forma quando arrancar o Mundial. 

 

5. Os gajos mantêm a juventude tocando com a juventude. Nada obrigaria os dinossauros do rock'n'roll a convocar o homem que ocupou o palco principal antes deles para uma pequena jam session. Mas foi isso que aconteceu com o texano Gary Clark Jr, que tocou um bluesy "Respectable" na companhia dos Stones. Qualquer espectador ficaria satisfeito com os Stones a tocarem os êxitos dos Stones sem mais ninguém além dos Stones. Mas a verdade é que houve Springsteen, houve Gary Clark e houve o coro português Ricercare, sintoma de que o quarteto não deixa os seus créditos por mãos alheias. Dá aquele ar de que encontraram Springsteen no Bairro Alto e Clark nos bastidores e lhes disseram "não querem vir ali dar umas guitarradas connosco?". E eles foram. Isto são bisavôs com mentalidade de bisnetos.

 

6. É a qualidade média que define os melhores. Não se pode dizer que os Rolling Stones no Rock in Rio tenha sido um concerto extraordinário, daqueles que aluga um T1 no prédio da nossa memória para todo o sempre. Mas foi um grande, grande concerto porque os Stones são os Stones: uns profissionais do caraças que nunca descem abaixo do 17 ou 18 - e esse 17 ou 18 torna-os melhores do que 90% das bandas que estão na estrada, mesmo quando elas estão a 100%. Mesmo em velocidade de cruzeiro, Mick Jagger e companhia são autênticos galgos do rock'n'roll.

 

7. Não, espera: afinal o maior não é Bruce Springsteen nem Charlie Watts, mas Keith Richards. Não foi pelo que tocou na guitarra, pela fita que trazia na cabeça ou por ter snifado as cinzas do próprio pai. Embora ele tivesse tocado muito, a fita fosse impecável e a história das cinzas do pai seja incrível (embora mentira). Foi porque lhe coube a grande punchline da noite. Keith Richards, o maior, aproximou-se do microfone e declarou: "It's good to be here." A multidão, claro, aplaudiu muito. Mas depois ele acrescentou, porque Keith Richards nunca mente: "It's good to be anywhere." Que profeta.

 

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Rock in Rio aqui vou eu

por João Miguel Tavares, em 29.05.14

Dado que neste blogue, ao contrário do originalmente prometido, só têm estado a aparecer textos sobre política, o pessoal amigo da Sapo resolveu perguntar-me se eu não queria ir ao Rock in Rio e escrever para aqui, só para mudar um bocado de agulha.

 

E eu: eeeeeehhh.

 

E o pessoal da Sapo: "Vá lá, vai ser giro!"

 

E eu: eeeeeehhh.

 

Mas depois concluí que já começo a parecer um velhinho e só ainda tenho 40 anos - e os 40 são os novos 30. Portanto, Rock in Rio, aqui vou eu!

 

Durante os próximos quatro dias estarei neste blogue a dar novidades e a cobrir (tipo, mais ou menos) o festival, como se fosse um teenager e regressasse aos meus tempos de jornalista da secção de música. E, claro, vou começar em grande, com este senhor. Como diria Roberta Medina, "me aguardem".

 

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A caça ao Tordo

por João Miguel Tavares, em 27.02.14

Hoje escrevo no Público sobre o caso Fernando Tordo, e porque é que ele originou tanta polémica e confusão. Para ler aqui.

 

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António Zambujo, Lisboa 22:38

por João Miguel Tavares, em 27.11.13

Eis o texto que escrevi para o disco ao vivo de António Zambujo, que está desde a semana passada nas lojas. O Zambujo é alentejano como eu, e entre o fado, o cante alentejano, a música popular e a pop, está a inventar um genero de música que é só dele.

 

 

Em 2007, comecei um artigo sobre António Zambujo com a frase “Se João Gilberto cantasse fado, seria mais ou menos assim”, e graças a Caetano Veloso, que recuperou essa ideia num texto entusiástico, o conceito de “fado bossa nova” aplicado a Zambujo ganhou uma inesperada amplitude, tornando-se desde então na melhor bengala para classificar a sua música. Insuficiente e simplista, como todas as bengalas, mas útil, ainda assim, quando se trata de justificar por que é ele um planeta à parte na constelação do fado.

 

É certo que não se pode dizer que antes dele o fado fosse apenas triste e amargo. Afinal, o Corrido é uma das suas formas estruturantes, e não lhe falta alegria. Mas pode dizer-se que António Zambujo é o primeiro a cantá-lo com uma profunda doçura e uma elegante suavidade, que ninguém antes se lembrara de lhe imprimir. Triste ou alegre, o fado sempre foi uma canção de esquinas aguçadas e pulsão cortante. Mas na voz de Zambujo, eis que subitamente ele se curva, arredonda, aveluda e revela uma dimensão insuspeita – a da delicadeza. É esse o precioso enxerto que o Alentejo trouxe, através de si, à canção de Lisboa. Uma emocionante acalmia das emoções.

 

Mas como sábio e bom alentejano que é, António Zambujo não confunde o melodioso com o meloso. Ele não alambica paixões nem simplifica sentimentos – antes varia caminhos e multiplica triangulações, promovendo encontros improváveis: o fado com a MPB e com a morna; o cavaquinho de Jon Luz com a guitarra portuguesa de Bernardo Couto e o clarinete de José Miguel Conde; compositores como Maria do Rosário Pedreira e João Monge ao lado de Pedro da Silva Martins ou Miguel Araújo, mestres no cruzamento de amor e humor, através dos quais o fado se transfigura em pequenos contos do quotidiano. Contos onde cada um de nós se revê, se reencontra e rejubila, ao ponto de o próprio cantor interromper a actuação que se encontra neste disco para exclamar: “Isto parece um concerto de música pop. Parece que está tudo doido.”

 

Sim, está tudo doido. Mas é pelas melhores razões – por vermos um homem vindo do fado alegrar as nossas almas de uma forma tão inesperada. É como se, diante da habitual tragédia fadista, António Zambujo recusasse soçobrar à fatalidade, sussurrando-nos ao ouvido: “Se a morte é certa, que tal dar uma voltinha na minha lambreta enquanto ela não chega?” E nós vamos, claro, acabando a noite na sala ao lado, entre gemidos de prazer. Às 22.38 de dia 7 de Dezembro de 2012, essa sala chamou-se Coliseu dos Recreios. A partir de agora e deste disco, a sala é a de cada um.  

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"Chamar a Música", versão samueluriana

por João Miguel Tavares, em 18.11.13

Só mesmo um pequeno génio de patilhas é que conseguiria transformar isto (esqueçam, por favor, o penteado de Sara Tavares):

 

 

nisto:

 

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Ainda faltam nove dias, pá

por João Miguel Tavares, em 17.11.13

O Actual (ou melhor, o Atual) deste fim-de-semana dedica a capa ao segundo volume do projecto Voz e Guitarra. O artigo está completo e bem elaborado, mas tem um daqueles defeitos que sempre me irritaram, muito antes de ser jornalista, quando era apenas um modesto leitor de jornais: escreve no dia 16 de Novembro maravilhas sobre um disco que só estará disponível a 25 de Novembro. Nove dias depois. Duas edições antes de ele efectivamente estar nas lojas.

 

Um leitor - como é o meu caso - que fique interessado em adquirir o objecto, seja numa loja, seja na net, vai ter de aguentar a sua curiosidade a um ponto tal que quando o disco sair provavelmente já não se vai lembrar que ele saía. Eu sei que os jornais fazem isto para se anteciparem à concorrência, porque acordam com as editoras serem os primeiros e, assim sendo, para se sentirem mais relevantes. Mas, na verdade, é daquelas coisas que serve mais para confortar o ego dos jornalistas do que para servir o seus leitores.

 

Só uma minúscula minoria de leitores lê mais do que um jornal, e estou convencido de que se está absolutamente nas tintas para quem dá primeiro a notícia do lançamento de um novo disco - o lançamento do Voz e Guitarra 2 não é propriamente o Watergate. Mas, pelo contrário, duvido que os leitores se estejam nas tintas - eu, pelo menos, não estou - para o facto de aquele disco sobre o qual ficaram super-interessados afinal só ir sair dali a duas semanas. 

 

É por estas e por outras que tanta gente fica com a sensação de que os jornalistas escrevem, em primeiro lugar, para os seus pares e para as suas fontes. E assim se esquecem daquilo que é o interesse do seu público, em nome de uma concorrência que, nesta área específica da música e da cultura, ninguém vislumbra, a não ser eles próprios. A capa do Atual é um daqueles casos em que a fama de privilegiados ("olha o jornalista sortudo que escuta os discos com tanta antecipação") causa mais irritação do que admiração.

 

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