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Leonard Cohen, Paris, 2002

por João Miguel Tavares, em 11.11.13

 

Eu comecei a trabalhar no jornalismo em meados de 1998, e ainda tive a sorte de apanhar um tempo em que a indústria discográfica tinha dinheiro para dar e vender (era o apogeu do CD) e a crítica musical ainda contava para alguma coisa. Só assim se compreende que um jovem e modesto jornalista e crítico do Diário de Notícias, como eu era, tenha viajado até Paris em Julho de 2002 para uma entrevista individual de 30 minutos com Leonard Cohen.

 

Provavelmente ainda era demasiado novo para me dar conta do privilégio: Cohen tinha acabado de descer do mosteiro de Mount Baldy para gravar o seu primeiro disco em quase uma década, e por isso sentia-se obrigado a anunciar ao mundo que continuava vivo e a cantar. Foi uma disponibilidade que não voltou a repetir - contam-se pelos dedos de uma mão as entrevistas individuais que hoje em dia Leonard Cohen concede em lançamentos ou digressões. O homem já não está para isso. E aquela foi a última altura em que esteve.

 

Sendo eu fã absoluto, e amando a sua música mais do que qualquer outra, ainda hoje me pergunto como foi possível não ter levado pelo menos um disco - teria de ser I'm Your Man, que eu sou daqueles que gosta dos coros femininos - para ele autografar. Mas não levei. E, portanto, tudo o que restou desse encontro foi a imagem de um homem de uma enorme educação, delicadeza e sabedoria, e uma entrevista - esta entrevista - que adorei fazer como poucas.

 

Sendo uma das intenções do blogue recuperar alguns textos e conversas que de outra forma se perderiam no fundo dos arquivos e das gavetas, eu não poderia começar por outro lado. Tinha que ser mesmo por aqui. Por Leonard Cohen.

 


Gostava que comentasse um auto-retrato seu que podemos encontrar no site leonardcohenfiles. É o retrato de um homem muito triste, envelhecido, com rugas profundas no rosto, mas por baixo da imagem há uma pequena frase que diz "happy at last" (finalmente feliz). O que significa tal contradição?

(Risos) Sim, é a imagem de um homem destroçado, completamente destroçado... Mas penso que o explico numa das minhas novas canções, chamada "A Thousand Kisses Deep": I made it to the forward deck/ I blessed my remnant fleet/ And then consented to be wrecked/ A thousand kisses deep [Alcancei o convés da proa/ Abençoei a frota que restava/ E então aceitei naufragar/ A mil beijos de profundidade]. Naufragado, mas com o meu total consentimento. Se não é uma espécie de felicidade, é, pelo menos, uma espécie de paz.


Vive tempos felizes?

Vivo um tempo abençoado e gratificante.


Também existe, no mesmo site, um poema seu, escrito já este ano, chamado "Thousands", onde se auto-intitula um falso poeta (fake poet). Na medida em que sempre apresentou a sua vida como uma busca pela verdade, é uma coisa triste de se dizer aos 66 anos...

Sim, e eu vou fazer 67 anos dentro de algumas semanas, o que ainda torna a coisa mais triste (risos). Não sei... É muito confortável ser falso. Há um ditado que diz o óptimo é inimigo do bom, mas mais vale ser um falso poeta do que não ser poeta de todo.


Quer dizer que se considera bom, mas não o melhor.

Bem, eu sei que não sou o melhor, mas não sei sequer se sou bom. Para ser mesmo honesto, conheço a tradição onde estou inserido, sei que as pessoas me chamam poeta e sei que tenho tentado sê-lo, mas não basta escrever alguns livros ou gravar alguns discos. Acabamos por ter consciência de que existe Shakespeare, Cervantes, Lorca, Machado; de que existem autênticas vozes, e que comparado com elas a minha é um leve chiar (tiny squeek) no meio da sinfonia. Mas W. B. Yeats tem um poema chamado "To a Friend Whose Work Has Come to Nothing" onde diz "it may be so, but you had one foot on the rung" [talvez seja assim, mas tiveste um pé na escada], e isso em si é alguma coisa, ter um pé no degrau mais baixo da escada. Se o que eu faço pode ou não ser considerado poesia, não é uma decisão que me caiba a mim. A poesia é um veredicto para outras pessoas, outras gerações fazerem. Não irei estar cá para saber.


 

 

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