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Hoje, no Público, escrevo sobre o estado geral da esquerda e sobre que tem mais futuro na política: os idealistas com alguma ingenuidade ou os super-esquemáticos. Para ler aqui.
Um grande texto do Daniel Oliveira, para ler aqui. Ainda que cada vários dos indivíduos citados mereçam subtilezas de análise que o Daniel dispensa (as pessoas não são todas iguais, de facto), o problema de fundo é exactamente como ele o colocou. E, neste ponto, a esquerda tem absoluta razão. A imoralidade anda à solta e faltam à democracia instrumentos capazes de lhe pôr fim.
O texto que o Daniel Oliveira hoje publica no Expresso, intitulado "Um novo sujeito político à esquerda", é importante por duas razões:
1. Admite que a esquerda europeia esbarrou de frente com a parede e que experiências como a de Hollande (ainda há tão pouco tempo o herói de António José Seguro) estão a escaqueirar a pouca credibilidade que lhe resta, abrindo espaço ao crescimento da extrema-direita.
2. Apresenta alegadas alternativas alegadamente concretas para inverter a situação.
Analisemos então o que diz Daniel Oliveira no seu texto:
1. Hollande está a lixar tudo [concordo].
2. Seguro é "um Hollande em potência" [concordo].
3. A única forma de o PS não seguir os passos de Hollande é com uma "forte ameaça vinda da esquerda" [concordo].
4. "Essa ameaça dificilmente poderá surgir, por si só, apenas de um novo partido político" [certo, o Rui Tavares não vai resolver nada].
5. "Isso poderia balcanizar ainda mais o que já está dividido, bloqueando qualquer solução" [ok... então a solução é apoiar o PCP e o Bloco?].
6. "Essa ameaça dificilmente pode surgir do PCP" [ai não? Ok, corta-se o PCP... Fica o Bloco].
7. "Essa ameaça não virá do Bloco de Esquerda, que perdeu a oportunidade histórica de cumprir esse papel" [também não?... mas então quem? O PCTP/MRPP?].
8. "A verdade é que dificilmente, em Portugal, com a nossa história, um movimento político amarrado à tradição da extrema-esquerda poderá ameaçar o PS" [eeeerhhh, bom, mas então, não estou a ver bem...].
9. "Na reconfiguração do cenário partidário à esquerda, a abrangência ideológica tem de ser muitíssimo maior do que hoje é abarcado pelos partidos à esquerda dos socialistas" [ok... precisamos então de uma cena ideologicamente abrangente para obrigar o PS a ser mais ideologicamente concentrado... não sei se faz muito sentido... mas essa cena é o quê?].
10. "Tenha a forma de movimento, frente, coligação ou qualquer outra coisa, o novo sujeito político deve juntar quem, à esquerda, esteja interessado em unir forças. Pode e deve abranger partidos políticos já existentes, partidos políticos que entretanto se possam formar e muitos dos que não militam em qualquer partido" [ah, tá bem, citando o velho O'Neill, é "uma coisa em forma de assim"].
Portanto, em resumo, eis a solução de Daniel Oliveira para salvar o país de Pedro Passos Coelho e de António José Seguro (e posso garantir que até eu pagava para me ver livre desses dois): uma coisa em forma de assim. Um "movimento". Uma "frente". Uma "coligação". Mas especialmente: "qualquer outra coisa". E ainda: um "novo sujeito político".
Infelizmente, está-se mesmo a ver que, para não variar, este é mais um sujeito que não vai sair de verbo.
Entre o partido político de Rui Tavares que ninguém sabe quem apoia e a coisa de Daniel Oliveira que ninguém sabe o que é, venha o Diabo e escolha. Mas assim está a nossa esquerda, e assim estão dois dos seus mais jovens, mediáticos e brilhantes representantes (e aqui não estou a ironizar).
Devo dizer que não há nenhuma alegria nesta constatação, porque nós precisamos muito de alternativas credíveis àquilo que temos. Mas esperar que a esquerda se una e se entenda em "qualquer outra coisa" que não seja o NÃO do costume (não, não queremos a troika; não, não queremos a austeridade; não, não vamos por aí), é pura utopia. Basta, a título de pequeno exemplo, olhar para a guerra civil que se abriu no blogue Cinco Dias por causa do legado de Álvaro Cunhal.
O que Daniel Oliveira parece querer, se bem percebi, é uma espécie de Tea Party à portuguesa, mas do lado da esquerda. Chamar-lhe Partido do Chá seria desagradável. Chamar-lhe Partido da Falta de Chá seria pouco simpático. Chamar-lhe Partido da Sangria parece-me uma designação correcta: por um lado, porque se mete tudo lá para dentro; por outro, porque ninguém irá sair de lá vivo.
Há umas semanas o Daniel Oliveira deu-me umas bicadas no seu blogue Arrastão, e eu respondi-lhe no Público com este texto, que ainda se mantém actual - já irão ver porquê:
Daniel Oliveira, que não sendo propriamente meu amigo é alguém por quem nutro amizade e admiração intelectual, decidiu falar de mim numa das suas últimas colunas do Expresso online [NR: na verdade, o texto acabou por não sair no Expresso online, mas apenas no Arrastão], incluindo-me numa “jovem direita, que até já foi civilizada”, mas que agora, lamentavelmente, “está cada vez mais próxima do estilo Fox News”. Diz ele: “Sente-se ali o Dr. Strange Love. Bem tenta, mas a tradição não deixa conter aquele bracinho...” Ou seja, parece que quando estou mais distraído o meu membro superior direito ganha vida própria e desata a fazer a saudação romana, à boa moda fascista.
E porque é que, no entender do Daniel, eu sou um terrível ex-civilizado e um lamentável proto-fascista? Porque me atrevi barbaramente a defender que somos um “país tenrinho”, apontando como exemplo a demora com que o governo tratou o caso da ponte, quando qualquer pessoa com dois dedos de testa e sem um par de palas extremistas nos olhos perceberia que permitir ali manifestações, seja da CGTP ou dos Amigos dos Animais, não tem pés nem cabeça. Tal qual – diria eu imodestamente – se veio a provar.
Não querendo, contudo, voltar a uma vaca que por esta altura já está gelada, devo dizer que não percebo porque se indigna tanto Daniel Oliveira com o conceito de “país tenrinho”. Afinal, basta passar os olhos pelo seu blogue – o Arrastão – para encontrar numerosos defensores desta mesma tese. A esquerda mais musculada não tem dito ou sugerido outra coisa. Para vários amigos do Daniel (não sei se deva aqui incluir o próprio, ele logo me dirá), o país é mesmo muito, muito, muito tenrinho, e por esta altura o povo há muito, muito, muito que deveria ter saído à rua e deposto o actual governo, por eles considerado não apenas péssimo, indecoroso ou indecente, mas também – e sobretudo – ilegítimo.
Portanto, caro Daniel, não sou eu que estou com vontade de levantar o bracinho – és tu que mo estás a puxar. Em boa verdade, nós estamos unidos na frustração em relação a este governo: tu, porque achas que ele nos está a empobrecer pela direita (a destruição do Estado Social); eu, porque acho que nos está a empobrecer pela esquerda (a incapacidade de diminuir o peso do Estado). A diferença entre nós é que no meu caso existe um caminho alternativo – a eternamente adiada reforma do Estado –, enquanto no teu caso não existe caminho algum.
Espera, estou a ser injusto. Há dias tu propuseste um: “A alternativa? Correr o risco de ser livre. E pagar a factura dessa liberdade. Seja dentro ou fora do euro, seja correndo com a troika ou negociando firmemente com ela. Pobres, se preciso for. Falidos, se tiver de ser. Mas dignos de, como povo, sermos donos do nosso destino.” É bonito, sim senhor. Mas não admira que com alternativas deste calibre a esquerda precise de andar a levantar os braços dos outros – é que para pagar tal factura não há quem ponha a mão no ar.