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O Papa afirmou numa entrevista ao jornal italiano La Stampa que não se sente ofendido quando lhe chamam marxista, utilizando o seguinte argumento:
"A ideologia marxista está equivocada, mas na minha vida conheci muitos marxistas boas pessoas, por isso não me sinto ofendido."
Ora, no momento em que o Papa disse isto o Espírito Santo devia estar a almoçar, porque o argumento não tem pés na cabeça. Eu também conheço fascistas amáveis e negacionistas do Holocausto que usam admiravelmente os talheres à mesa e oferecem esmola no metro.
Dizer "eu não me sinto ofendido que me chamem marxista porque conheci bons marxistas" é admitir uma separação de planos entre acções individuais e crenças colectivas, que obviamente qualquer um de nós aceita no seu dia a dia (e ainda bem, em nome da tolerância), mas que quando se é Papa (e suponho que ele tenha dado a entrevista na condição de Papa) e pregador, e se defende a coincidência ética de uma coisa com a outra, não se pode fazer com a leveza de quem está a participar numa petiscada ideológica.
Quer dizer: pessoas boas e más, no termo estrito da sua acção no quotidiano, há em todo o lado, incluindo dentro da Igreja (muitas). Mas quando um Papa valoriza a falta de coincidência entre o carácter de um indivíduo e a ideologia que ele profere ("não me sinto ofendido"), está a desvalorizar um dos argumentos centrais de uma ética cristã, que é a necessidade de que aquilo em que acredito convergir com aquilo que eu faço.
O que Francisco disse foi: o marxismo está errado, mas há bons marxistas, logo não me ofendo que me chamem marxista.
Dentro desta lógica, por que não continuar?
O fascimo está errado, mas há bons fascistas, logo não me ofendo que me chamem fascista.
O islamismo está errado, mas há bons muçulmanos, logo não me ofendo que me chamem muçulmano.
O judaísmo está errado, mas há bons judeus, logo não me ofendo que me chamem judeu.
Esta economia mata, mas há bons capitalistas, não me ofendo que me chamem capitalista.
E por aí adiante.
O bom cristão prega a coincidência da sua fé com as suas acções, e à falta de coicidência entre uma coisa e outra chama pecado. Não é preciso ter frequentado a catequese para se saber que o pecado, para um cristão, é uma coisa séria.
Donde, convém que neste seu entusiasmo para abraçar toda a gente, Francisco não estique os braços até um ponto em que perca de vista aquele parte da doutrina cristã que fala do caminho, da verdade e da vida.
Até porque os marxistas dispensam bem a sua companhia, e o excesso de inclusão é apenas uma forma (bastante irritante, aliás) de paternalismo.