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A marca do Z

por João Miguel Tavares, em 02.12.13

Carlos Zorrinho saiu da liderança do grupo parlamentar do PS para coordenar o espantoso Laboratório de Ideias e Propostas para Portugal, de onde é suposto sair um futuro programa de governo socialista capaz de revolucionar a pátria e transformar-nos na Suíça da Pensínsula Ibérica.

 

Vai daí, é sempre com grande entusiasmo que aguardo qualquer naco de prosa apresentado pelo coordenador do Laboratório, e no passado sábado Zorrinho presenteou o país com um texto intitulado "País improvável. Governo incapaz" (assim mesmo, com ponto final no meio do título).

 

Eu sei que por vezes pareço um stalker socialista, sempre a perseguir Seguro & Co., mas dir-me-ão vocês se o problema é meu ou da imensa qualidade intelectual que brota do Largo do Rato.

 

O texto de Zorrinho começa desde logo com uma constatação de tal modo sofisticada e com uma tal originalidade que ficamos tolhidos pelo arcabouço intelectual da insigne figura:

 

O que é Portugal? Uma nação.

 

São estas as duas primeira frases do texto. Portugal é uma nação. Só uma pessoa a trabalhar 16 horas por dia num Laboratório de Ideias e Propostas teria sido capaz de produzir tão arguta conclusão. Mas Zorrinho continua. Depois de dizer quem somos, dir-nos-á porque estamos a padecer tanto:

 

Os portugueses, em vez de orgulhosos, estão tolhidos de medo de serem quem são, por uma governação pobre e empobrecedora.


Estamos tolhidos de medo por sermos quem somos. Isso é que está a lixar tudo. Se nos deixassem ser quem somos sem medo de ser quem somos, Portugal teria tudo para ser um país incrível, como foi durante mais de dez anos de governação socialista. Mas não nos deixam. E não nos deixam porquê? Então não se está mesmo a ver? Não nos deixam ser quem somos por causa do "evidente". O "evidente" é tramadíssimo. Enfim, não é só o "evidente". É o "evidente" e o "mecânico":

 

Tudo é possível menos o evidente, o mecânico ou comandado de fora, o protetorado que apaixona e protege este Governo. Não! Nunca foi com manuais de finanças que nos salvámos e não será com manuais de finanças ou reprimendas europeias que nos salvaremos agora.

 

É isso mesmo, CZ. Não vai ser certamente com manuais de finanças que vamos lá, porque isso pertence ao domínio do evidente e do mecânico, que é o que está a desgraçar o país.

 

Mas espera lá... com essa de nos estarmos nas tintas para os manuais das finanças, estará Zorrinho a querer dizer que o PS, num futuro governo, não vai assumir as dívidas do país? Haircut, é isso?

 

Não, não é isso.

 

Nós pagamos sempre. Por todo o mundo o português é pessoa honesta e de boas contas.

 

Ah, bom.


Mas pagar é para nós o fim do trajeto e não o seu início. Somos navegadores. Não somos cambistas.

 

Certo... Somos navegadores, não somos cambistas... que frase tão bonita, Carlos. Após quantas experiências laboratoriais é que surgiu esta ideia tão luminosa, esta fosforescência conceptual? CZ não diz, mas devem ter sido imensas. Afinal, ele saiu da liderança da bancada parlamentar por causa disso.

 

Mas, já agora, a frase "somos navegadores, não somos cambistas" significa exactamente o quê, só para o caso de vir a ser necessário explicá-la a Wolfgang Schäuble, também conhecido como "aquele estupor" entre as hostes socialistas?

 

Porquê copiar as soluções óbvias e que todos já usaram, se podemos descobrir outras diferentes mil léguas para além do que se conhece, ousando, arriscando, falhando e vencendo? 

 

Ora está bem visto, sim senhor. Para quê copiar? Nós não somos copiões. Copiar é para os cambistas, não para os navegadores. A cena então é ir "mil léguas para além do que se conhece". Como programa de Governo não me parece mal. Queremos ir mil léguas para além do que se conhece na saúde, mil léguas para além do que se conhece na educação, mil léguas para além do que se conhece na segurança social. Bravo, CZ! Que visionário.

 

(Ah, aquela parte do "falhando" não é para ligar muito. Em termos hegelianos, o "falhando" está logo antes do "vencendo". Infelizmente, a oposição chumbou o PEC IV e deu cabo da dialéctica socialista, que está sempre a esbarrar no "falhar" só porque não lhe dão tempo para chegar ao "vencer".)

 

No óbvio, obviamente que já não existiríamos.

 

Ui, e depois das visões, a super-poesia: "no óbvio, obviamente". Embrulha Herberto.

 

Mas esperem, que há mais. Se no início Carlos Zorrinho começa logo a brilhar a grande altura afirmando que Portugal é um nação (bravo!), na parte final leva o seu requinte intelectual e a sua agilidade de pensamento muito mais longe (talvez mesmo mil léguas mais longe), afirmando com estrondo:


Portugal é o país de portugueses.


Portugal, o país dos portugueses? Meu Deus. Que génio da ciência política.


E já com o bico de Bunsen a funcionar a todo o gás, Carlos Zorrinho volta a analisar a alma da pátria com aquela precisão que só se consegue após muitos anos a laboratoriar. 


Poderá um país assim ser um país de replicadores? Jamais. A nenhum preço um português será competitivo numa linha de montagem. Nós resolvemos ou “saímos do filme”, mas não somos um povo para fazer de cenário ou de copiador em série.


Não somos um país de replicadores, nem de replicantes, como no Blade Runner. Nós ou resolvemos, como o Liedson, ou saímos do filme. Como é que se sai do filme? O que é isso de sair do filme? Só daqui a mil léguas é que é possível dar uma resposta.


Portanto, a certa altura do texto um gajo já está conformado: grande prosa de taberna de ginjinhas, mas já quanto a soluções e alternativas...


Mas esperem! Parem as rotativas! Afinal, a conclusão mais esperada vai mesmo chegar.


Eis as alternativas do PS, as melhores ideias laboratoriais produzidas no Laboratório de Ideias, a solução para todos os nossos problemas, a pedra-filosofal da salvação da pátria. Carlos Zorrinho já a tem nas suas mãos, e generoso como só ele, está disposto a partilhá-la connosco:


Como sobrevivemos? Com impulso criativo. 


Portanto, se um dia um PS desconhecido lhe oferecer flores, isso é... impulso criativo! Mas não só com impulso criativo.


Como vencemos quando vencemos.

 

Como quê?

 

Com orgulho nacional, autonomia, confiança e aposta na qualificação.


Ah, sim! Sim! SIM! Como é que ainda ninguém se tinha lembrado disso? Com orgulho nacional, autonomia, confiança e aposta na qualificação, tudo, tudo, tudo se resolve.


Ainda bem que Zorrinho abandonou o Parlamento. Ele faz-nos muita falta em São Bento, mas o trabalho de deputado, como é óbvio, obviamente que era incompatível com a elaboração de textos com esta qualidade estilística e intelectual.


Quando Carlos Zorrinho for o Miguel Relvas de António José Seguro, o país poderá, finalmente, repousar em paz. Mal posso esperar por 2015.



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